17 de abril de 2014

Gabriel

17 de abril de 2014, morreu Gabriel Garcia Marquez.

O texto abaixo eu escrevi para o blog da Aline Costa, o Cada Viagem, uma saudade e resolvi postar aqui.
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Quando eu li Cem Anos de Solidão me apaixonei, sem exagero, foi isso mesmo. Fiquei fascinada pelo cenário e deslumbrada, me parecia surreal alguém escrever daquela forma e, como toda apaixonada, eu corri atrás de descobrir mais sobre meu novo amor. Descobri que o Gabriel Garcia Marquez era colombiano e, embora ele fosse de Aracataca, sempre escreveu muito de Cartagena das Índias, sobre a ótica dele foi impossível não nascer a ideia de conhecer a cidade e na minha concepção de apaixonada, ir para Cartagena era ficar próxima de um amor.

Li em algum livro, senão me engano a biografia dele, "Viver para contar" que ainda moço, ele sempre acostumado ao calor costumeiro de Aracataca, quando foi para Bogotá, ao deitar-se na cama, achou que ela estava molhada. Não estava, era apenas o frio, uma sensação nova pra ele, vindo de onde veio. Fortaleceu mais ainda o sonho de conhecer a cidade, de sentir o calor que eu senti diversas vezes lendo seus livros, deixei a ideia guardada, como um amor platônico, difícil de acontecer.

Acontece que não foi impossível e eu fui para Cartagena das Índias em março de 2012. Fiz uma parada em Bogotá, realmente a cidade é fria, sobretudo ao entardecer, acho que estava cerca de 16ºC, saí de lá para chegar em Cartagena 50 minutos depois. Era noite e fazia 31ºC. Calor, todo o calor e abafamento que senti lendo os livros. A rua que fiquei hospedada tinha muitas putas. Sorridentes, pobres, tristes. Obviamente me remeteu a outro livro, o "Memória de minhas putas tristes" o último que ele escreveu, chego a pensar se não foi uma biografia indireta, quase uma despedida mostrando com delicadeza toda a veracidade da idade. O livro é tão melancólico quanto as putas que eu vi por lá, tão perturbador quanto o sorriso delas com um fundo de tristeza, tão particular quanto Cartagena.

Não quero entrar aqui nas particularidades da cidade, mesmo porque, por amor, possivelmente eu seria parcial na minha visão. A cidade é sensível, acolhedora, festiva, mas pode ser triste, faz calor como nunca senti e venta muito, espalha os pensamentos, coloca areia no cabelo e te hipnotiza quando a noite chega. Cartagena transpira história e, desculpa a arrogância, agora transpira a minha história, porque parte do que sou e do que vivi ficou lá, mas também está aqui comigo. Eu quis conhecer Cartagena por amor, pensei que talvez conhecendo isso se dissiparia, como quem desencanta de algo depois que consegue, mas não. Já passou um tempo desde que voltei, mas da mesma forma que por lá o calor é constante, aqui é a minha saudade de Cartagena.

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Eu nunca senti muito a morte de nenhum famoso, nunca cheguei a ficar realmente triste como fiquei hoje. Talvez para algumas pessoas pareça bobeira, mas os livros dele mudaram minha percepção perante muitas coisas, foram momentos que guardo como se tivesse vivido, cada página virada, alegria, tristeza e melancolia que senti com tantas palavras.

Eu me inspirei em diversas coisas com sua leitura e agora, junto com a saudade de Cartagena, ficará também a saudade de ter um novo livro do escritor que mais me importou, que mais me fez viajar estando parada.

E eu fico imaginando ele agora, um senhor de 87 anos morto, talvez neste momento estejam preparando o corpo dele, e fico pensando em como deve ser isso tudo, e cogito se ele, que sempre pensou em realidades fantásticas, chegou a pensar em como seria sua morte. 

Ele disse que a vida não é o que se vive, mas o que se recorda e como se recorda. Eu vou lembrar dele até o dia que meu corpo, assim como o dele hoje, não me pertencer mais.


Cartagena das Índias e um sonho realizado.




Um comentário:

Toad - Matheus H. disse...

Lindo! Lindo texto. Aprendi sobre a literatura dele com você. Aprendi com ele sobre literatura e que, às vezes, tanto faz a "literatura", muito mais vale o conto, a forma, as memórias. Com certeza muito disso vem de seus avós, que eram contadores de história geniais, e um pouco disso chegou até a gente através de suas palavras.
Aprendi com você a gostar do Gabo, a admirar esse senhor, e hoje fiquei triste também. Se eu me sinto assim, imagino você.
Que ele esteja agora desfrutante de suas melhores lembranças.
Lindo texto!