26 de fevereiro de 2013

Desabilitada


Eu não tenho carteira de habilitação, eu não dirijo e nunca quis um carro. Eu sei dos benefícios de ter um e de ter carta, em parte porque não sou tapada e muito em parte pelo discurso exaustivo que eu escuto desde os 14 anos de forma incansável acerca dos benefícios de ser uma pessoa motorizada. 

As reações são sempre parecidas quando digo que não dirijo, algumas pessoas erguem a bandeira das quatro rodas, praticamente evocam cânticos divinos para me falar em como eu seria mais independente se fosse uma pessoa habilitada.  Na real eu teria uma licença para dirigir carro de papai e mamãe, enfim, o suprassumo da independência, certo?

Outras pessoas acreditam que eu tenho medo, aquela coisa básica "meu deus do céu se pegar num volante vou morrer", e daí ficam tentando, de forma sútil, me convencer que sou "capaz de vencer esse medo". Olha, sou capaz de muitas coisas, ousaria deixar a modéstia de lado e dizer que sou capaz de fazer tudo o que realmente quero, sacaram? É preciso querer e eu não quero. Não é medo, é escolha, só isso.

Tem ainda meus pais, eu sinto uma decepção neles sempre que esse assunto surge, quando alguém comenta "a Milla não dirige?", eles respondem meio que por cima "é, ela não dirige... tá calor, né?". Eu não tenho CNH e por isso embaraço meus pais, tá ok.

Eu não sei porque tanta importância com essa merda de dirigir e ter carro, quer dizer, sei que rola um lance cultural que sugere o carro como extensão da maioridade, da independência e crescimento, mas fazer festa de debutante também sugeria isso e caiu em desuso [será?].

Eu podia estar habilitada, dirigindo por aí, aumentando o trânsito, poluindo mais, fomentando o caos e colocando mais quatro rodinhas para passar por cima das coisas, mas não, eu tô aqui de boa, tô okay com minha escolha, escuto música no busão e posto mensagens irritadas no Fb quando me irrito, tô feliz, sabe? Então desapega, abstrai e vai fazer vrum vrum por aí, me deixa. Valeu.

6 comentários:

Unknown disse...

Me identifiquei. É aquela chatice de "E quando vc vai tirar carta, heein?" Se depender de mim, meu querido, nunca. Porque pra qualquer lugar que eu vou, tem transporte público - ainda que não seja lá uma perfeição.

Juliana disse...

eu sempre fico confusa quando os paulistas falam de carta. =p

trabalho em escola, quase todos os meus colegas têm carro. sou conhecida entre os alunos como a professora que não tem carro.veja só.

eu tenho medo de dirigir e acho carro uma coisa cara demais.

. disse...

Eu lembro de um amigo da faculdade dizendo, quando tocávamos no assunto de - oh, horror! - eu ter quase 20 anos e não ter carta, "carteira de motorista é certificado de independência da mulher". Na época achei libertaríssimo o discurso, porque olha só, um rapaz dizendo que mulher tem mais é que dirigir pra não depender dos outros yadda yadda. Não deixava de ter razão, eu pensava, evocando os exemplos das minhas avós não-motoristas e da minha mãe motorista, criando 4 crianças, divorciada, trabalhando fora. Quebrava vários galhos, inclusive em termos de lazer.

Divaguei um pouco. Na época o discurso do rapaz fez muito sentido e eu não teria pensado no que você disse: o discurso de louvação do carro, esse símbolo de independência, crescimento e, claro, pujança. Porque você pode estar sem pagar a conta de luz e comprando arroz de terceira, mas se estiver de carro véio...ah, pega malíssimo.

:***

Antônio LaCarne disse...

morro de pavor de dirigir, o que me torna além de um desabilitado, um desabilitado na vida por outras questões do coração. :)

Milla disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Milla disse...

Wi, pois é, tô contigo! O transporte público não é sensacional, mas cumpre o fundamental.

Juliana, carro é caro demais e manter é bem custoso, é um dos motivos que eu não faço questão, prefiro usar essa grana para outra coisa. Não sabia que "carta" era coisa de paulistas ahaha

Deh, eu já escutei essa também e por pouco quase achei genial, não fosse o fato de condicionar mais uma vez a liberdade da mulher a algo que não ela mesma :)

Antônio, pois somos dois desabilitados então, sobretudo nas questões do coração ;*