10 de janeiro de 2009

Coccinellidae

Acordou se sentindo estranha, parecia pequena, sem dúvida estava menor. Levantou na cama sonolenta e tomou um susto. O quarto estava em proporções gigantescas. Tudo era imenso. A tevê parecia maior que uma tela de cinema, o guarda roupa tinha a altura de um prédio e o ventilador do teto lembrava a turbina de um avião.

Não conseguia interpretar aquilo que via. Ficou preocupada pensando que talvez ela estivesse doente, ou tivesse uma substância alucinógena na última refeição, ou que simplesmente estivesse louca. Decidiu levantar.

Quando desceu da cama, instintivamente caiu no chão e os olhos só enxergavam na altura do rodapé da parede. Caminhou até poder tocá-la, mas não encontrava as próprias mãos. Desesperada passou pelo vão da porta do quarto e correu pelo corredor. Foi uma corrida e tanto, o banheiro nunca pareceu tão longe.

Entrou no banheiro. Luzes apagadas, mas curiosamente enxergava no escuro e podia ver que lá, também era tudo grande. Pensou por um momento que pudesse ter enlouquecido mesmo. Sempre teve uma péssima auto-estima, sempre se sentiu pequena e meio insignificante para algumas pessoas, talvez fosse isso. Depressão contínua com enlouquecimento por culpa da insegurança que sentia.

Como não alcançava o espelho, tentou pular e, para sua surpresa, flutuou. Ali já tinha certeza de que estava tendo um pesadelo. Vivia de ilusões, mas não tinha o talento dos ilusionistas. Curiosa, pulou de novo. Flutuou de novo. Respirou e pensou que entraria no sonho, pesadelo, alucinação ou o que fosse aquilo e flutuou. Percebeu que dando impulso poderia voar.

Era boa a sensação. Sentiu-se plena no meio daquela confusão toda. Sem os pés no chão e livre de qualquer apoio. Foi voando até o espelho e quando viu sua imagem o coração disparou. Perdeu o equilíbrio. Bateu na pia e caiu no chão.

Nunca teve paciência de ler a Metamorfose, de Kafka, mas sabia que o personagem se transformava em uma barata e achava aquilo extremamente depreciativo. Não sabia se sentia alivio em não ser uma barata ou se achava cômico ter se metamorfoseado naquilo. Redondinha, simpática e com bolinhas. Aquelas que meninas acham lindinha, fofa e colam adesivos em seus cadernos.

Era muita ironia. Uma joaninha. Justo ela, que todos sempre diziam que era mal humorada ser transformada num inseto amistoso com cores da moda. Era só o que faltava. Se bem que era melhor do que o marrom sem graça de uma barata. A tragédia sempre tinha uma veia cômica, ela sabia disso e parecia estar vivendo a história mais bizarra possível.

Queria sentar, mas não conseguia. Agora ela tinha patas curtas, asas e o pior, tinha antenas! Como? Ela se questionava! Porque dormira mulher e acordara joaninha de antenas. Ficou parada até se dar conta que se podia voar, e que podia fazer coisas que nunca fizera antes, mas na verdade não queria isso. Queria ser gente de novo. Por um momento pensou que poderia ter morrido e reencarnado uma joaninha, quem sabe os indianos não estivessem certo? Mas aí lembrou da condição humana de deixar o corpo. Sempre fica o corpo estorvando, restando, lembrando o que já foi vivo. E na cama não tinha nenhum, seu corpo não estava lá. Não estava morta, mas preferiu estar.

No meio da sua mais nova tristeza de inseto, sentiu algo. Era só instintos agora. Alguém se aproximara do quarto. Virou-se para porta. Olhos fixos em uma sombra que estava cada vez mais perto. A porta se abriu. A luz foi acesa. Era ele. Seu namorado, seu amigo, seu confidente. A pessoa que ela queria partilhar a sua mais nova vida de joaninha.

Ele ficou olhando para o quarto, para a cama desarrumada e vazia. Cara de estranhamento. E ela percebendo que ele não a via, mesmo ela estando ali. Voou até seu ombro, sentiu seu perfume e se esqueceu da sua condição e foi até os olhos dele, queria a certeza de que o amor era intransponível, incondicional.

De susto ele bateu a mão nela, xingou alguma coisa e foi embora. Ela soube depois de dias que ele não foi embora apenas do quarto. Com sua ausência inexplicável ele deixou o quarto, a casa e sua vida, pois agora, ela era um inseto para ele. Nada, além disso.

2 comentários:

Toad - Matheus H. disse...

é ficticio, é personagem
Ficou muito bem escrito e muito estranho. Muito estranho.

Yuri Kiddo disse...

Caraca, gostei bastante, pupo!! Tem que postar com mais frequência... narrativa forte e uma visão muito sensível da protagonista da história.

"Vivia de ilusões, mas não tinha o talento dos ilusionistas" - essa frase não tem preço. Infelizmente é o que acontece com muita gente, que vive de ilusões, mas sem talento para conduzí-las.